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Comunicação Não-Violenta - Construindo um Território Comunicativo Comum

  • Káritas Ribas e Mateus Fernandes
  • 17 de ago. de 2014
  • 4 min de leitura

A Comunicação Não-Violenta (CNV) nasceu da necessidade de seu sistematizador, Marshall B. Rosenberg, de buscar uma prática de comunicação que preservasse e integrasse indivíduos com crenças e ideais diferentes, sem que eles se alienassem de suas diferenças ou de seus modos de vida. E também fortaleceu-se na experiência de que esses indivíduos podem certamente se comunicar, ao estabelecerem um território comunicativo comum. Ou seja, com a CNV (Comunicação Não-Violenta) trata-se de estabelecermos um fluxo de comunicação compartilhado, onde não qualificamos, classificamos, dominamos ou responsabilizamos o outro, na tentativa de aumentarmos nosso grau de conexão e empatia – com o outro e, também, conosco. Por isso, com essa prática, nossas palavras e ações podem ser compreendidas e, além delas, nossa intenção pode ser considerada, percebida e validada.

A “linguagem da Girafa”, como ludicamente é conhecida a forma de expressão da Comunicação Não-Violenta, desenvolve-se por meio de quatro componentes, que são assim sumarizados: i) observação; ii) sentimento; iii) necessidades; iv) pedido.

Em nosso trabalho abordamos a CNV a partir da seguinte descrição de Rosenberg (2006) sobre o que denominamos “linguagem da Girafa”:

Primeiramente, observamos o que está de fato acontecendo numa situação: o que estamos vendo os outros dizerem ou fazerem que é enriquecedor ou não para nossa vida? O truque é ser capaz de articular essa observação sem fazer nenhum julgamento ou avaliação – mas simplesmente dizer o que nos agrada ou não naquilo que as pessoas estão fazendo. Em seguida, identificamos como nos sentimos ao observar aquela ação: magoados, assustados, alegres, divertidos, irritados etc. Em terceiro lugar, reconhecemos quais de nossas necessidades estão ligadas aos sentimentos que identificamos aí. […] O quarto componente – um pedido bem específico – […] enfoca o que estamos querendo da outra pessoa para enriquecer nossa vida ou torná-la mais maravilhosa. Assim, parte da CNV consiste em expressar as quatro informações muito claramente, seja de forma verbal seja por outros meios. O outro aspecto dessa forma de comunicação consiste em receber aquelas mesmas quatro informações dos outros.

Agora, vamos tentar decodificar o que a Girafa está propondo e como ela pratica sua linguagem.

Como vimos, o primeiro componente da CNV estimula uma distinção entre observação e avaliação, em uma tentativa de restaurar a importância dos juízos valorativos frente aos julgamentos moralizantes. Os juízos valorativos explicitam os valores de quem julga e, com isso, revelam mais sobre o que está em jogo e sobre quem está jogando, isto é, sobre como cada coisa é propriamente percebida. E então a Girafa enfatiza que nos tornamos Lobos ao “fazemos julgamentos moralizadores de pessoas e comportamentos que estão em desacordo com nossos juízos de valor”, sem que os valores – articulados entre sentimentos e necessidades, como percepções de si – sejam, eles mesmos, colocados em jogo.

Este tipo de comunicação, denominada “comunicação alienante da vida” por Rosenberg e “linguagem do Lobo” pela Girafa, impede que os valores e as necessidades sejam explicitados, favorecendo atitudes de resistência ou coerção. Isto porque esse tipo de linguagem está apoiado em estados psicológicos de simpatia ou de antipatia, que “subentendem uma natureza errada ou maligna nas pessoas que não agem em consonância com nossos valores”. Em outras palavras, os Lobos só conseguem escutar a “linguagem do Lobo” e, logo, assumem que todos os que o cercam são igualmente Lobos. A Girafa, enxergando mais longe, pode evitar essa “comunicação alienante da vida” ao escolher o caminho dos juízos valorativos.

Em um segundo caminho, com o “truque” mencionado por Rosenberg, apelamos aos juízos de gosto, que lidam sempre com os particulares que nos agradam ou não. Assim, nos mantemos ativamente responsáveis por nossos valores e, concedendo à partilha com o outro o potencial de validação, reivindicamos a justeza de nossas escolhas. Para a Girafa, esta opção do segundo caminho, de implicações políticas, é claramente afirmada por meio de sua linguagem, isto é, da CNV:

A comunicação alienante da vida tanto se origina de sociedades baseadas na hierarquia ou dominação quanto sustenta essas sociedades. […] Quanto mais as pessoas forem instruídas a pensar em termos de julgamentos moralizadores que implicam que algo é errado ou mau, mais elas serão treinadas a consultar instâncias exteriores – as autoridades – para saber a definição do que constitui o certo, o errado, o bom e o mau.

O segundo e o terceiro componentes da CNV formam uma constelação de reconhecimento e expressão de sentimentos, enraizados em necessidades próprias, visando à explicitação de vulnerabilidades – que pode gerar empatia mútua – e à libertação emocional – em que se assume a responsabilidade por intenções e ações. Assim, se o segundo componente é sintetizado como a expressão de sentimentos, o terceiro componente da CNV “é o reconhecimento das necessidades que estão por trás de nossos sentimentos”.

Para tanto, torna-se necessário assumir a responsabilidade por seus próprios sentimentos, pois atribuí-la ao outro é “o mecanismo básico de motivação pela culpa”. Ao termos de escolher (e, portanto, renunciar) entre tal ou qual necessidade, nos tornamos, por imperfeição, responsáveis por uma carência e passamos a assumir uma moral cuja raiz se encontra no débito originário de “estar em falta consigo mesmo”. Esta carência, no entanto, deve ser entendida positivamente, pois não é privação, mas escolha e, novamente, auto-responsabilização pela compreensão própria de si. Se entendo essa carência negativamente, dou corda no mecanismo de culpa, seja culpando o outro, seja diminuindo minha empatia por minhas escolhas.

Finalmente, para a explicitação dessas escolhas, somos levados ao quarto e último componente da CNV, “que aborda a questão do que gostaríamos de pedir aos outros para enriquecer nossa vida”.

Em resumo, vemos que, a partir do componente da observação, o intuito da CNV é preparar a conexão entre o juízo e a compreensão; ou seja, se pudermos escapar da necessidade de apoiar nossas opiniões em juízos moralizantes, e se simplesmente mantivermos a atenção no discurso que observa os fenômenos, então enraizamo-nos naquilo que é próprio a cada indivíduo – a disposição de seus sentimentos e a partilha de suas necessidades, valores ou desejos. Com isso, poderemos, finalmente, lançar um pedido, que revela-se como uma preocupação e que, portanto, é uma tentativa de explicitação do que se observa. Explicitar “o que” e “como” se observa, tanto interna quanto externamente, nada mais é do que a busca pela compreensão do que está acontecendo, tanto dentro de si quanto no mundo. Por isso tudo, a CNV se apresenta como a linguagem (não-alienante) da vida.

ROSENBERG, M. B. Comunicação Não-Violenta: Técnicas Para Aprimorar Relacionamentos Pessoais e Profissionais. 2ª ed. São Paulo: Editora Agora, 2006.

 
 
 

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